sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Conversa da Treta

Os que têm o dom da palavra e são oradores, têm
 em mão um grande instrumento de charlatanismo.
Feliz dos que os escutam e não se deixam abusar por eles
Charles Saint-Beuve in “O Citador”


Para além das temperaturas elevadas, mais ou menos cíclicas em cada quinquénio, o início deste verão surpreendeu-nos por dois acontecimentos dissemelhantes. Enquanto que um deles nos chocou devido ao falecimento de dois homens, um do jornalismo e outro da cultura, o outro nem por isso, pois tratou-se da ilibação de dois políticos em mais um caso mediático, algo a que a justiça já nos vai habituando.
Se Mário Bettencourt Resendes deixou um vazio como jornalista e crítico político, pela sua sensatez e equilíbrio, já António Feio deixou saudades pela alegria que transmitia, como actor do humor, humor que tanta falta faz a este povo soturno, outrora “pobrete mas alegrete” e no presente, cada vez mais violentado pela incompetência de quem nos governa.
Do seu inúmero reportório artístico, de que já começamos a sentir saudades, gostaríamos de realçar as suas “Conversas da Treta”, com que nos brindava, em parceria com José Pedro Gomes. Foram anos de uma cumplicidade entre Zézé e Tony que não mais se voltarão a repetir.
Conversas que de treta nada tinham. Outros há que nos tentam impingir essa verdadeira conversa oca, numa tentativa de “adormecimento”. Relembrando os meus tempos de juventude recordo uma frase que uma querida amiga repetia no momento certo: “Só se come quem se deixa comer”.
Que Deus tenha recebido Feio e Resendes no Seu Reino de Paz e de Amor.
Mas se iremos sentir a falta da sensatez e equilíbrio de Resendes e da alegria contagiante de Feio, que até teve a coragem de brincar com a doença (…Quisera poder cantar-te, em versos sem lamentos. Saber de ti ó morte, se conheces o poder sem alento…), já os outros “actores” deste início de verão, quando um dia partirem, não deixarão saudades nenhumas, antes um alívio.
Claro que me refiro aos figurantes do Caso Freeport. Aos “actores” da justiça que não foi feita, os Procuradores Paes de Faria e Vítor Magalhães, que já em Fevereiro de 2009 revelaram não ter confiança na hierarquia do Ministério Público, pelo que de imediato se deveriam ter demitido e não prolongar esta farsa por seis anos. Aos “actores” políticos que ao tempo dos factos eram membros do governo, um como ministro do ambiente, José Sócrates Pinto de Sousa e o outro como seu secretário de estado, Pedro Silva Pereira, curiosamente ou talvez não, figuras de topo do actual (des)governo.
Não deixa de ser curioso o que o jornalista Ricardo Costa tenha escrito, em Fevereiro de 2010 no Jornal Expresso, a sua “certeza” sobre o caso:
“Não deve faltar muito tempo. Mais dia, menos dia, a nossa Justiça vai concluir o “caso Freeport” e aposto que José Sócrates vai achar que tem motivos para se rir. Na verdade até tem. Se, como tudo indica, ficar totalmente ilibado, terá razões para isso. Mas antes de se rir, de acusar jornalistas, de desprezar a oposição, o primeiro-ministro devia aproveitar para pensar um pouco no contributo que deu para a confusão.
Na reconstituição do “caso Freeport”, José Sócrates e os seus mais fiéis apoiantes não terão dificuldade em encontrar dúzias de frases, notícias e comentários que podem pôr em contradição muita gente. E em vez de dizerem que não comentam decisões judiciais, vão dedicar-se a um “acerto de contas”. Vão fazê-lo com um gosto redobrado, agora que estão sob fogo de mais um penoso e longo caso.”
Mas ao contrário do que pensou e escreveu Ricardo Costa, Sócrates, lambuzado de baba, veio para a televisão congratular-se por ter sido inocentado. Logo comentar decisões da Justiça.
O pior veio depois, ao ter-se conhecimento do despacho de acusação, onde os procuradores insinuam aquilo que os investigadores ingleses já tinham revelado. De acordo com estes, “…os procuradores portugueses que investigaram o caso Freeport, não tinham confiança em Cândida Almeida, a directora do DCIAP, e quiseram mantê-la longe das reuniões em Haia com as autoridades inglesas”.
Apenas Smith e Pedro foram constituídos arguidos no processo, sob suspeita de tentativa de corromper. Onde estão ou quem são os putativos corrompidos?
Para António Pires de Lima, antigo Bastonário da Ordem dos Advogados, “…a procuradora Cândida Almeida e os outros procuradores do caso devem abandonar as suas funções se se confirmar que negociaram entre si com outros procuradores a não inquirição de Sócrates e de Pedro Silva Pereira no caso Freeport.”
Mau grado a falta de coragem dos procuradores Faria e Magalhães, tiveram um assomo final da mesma ao produzir um relatório armadilhado, onde vinham plasmadas as mais de duas dezenas de perguntas que, depois de seis anos de investigações, não tiveram tempo de fazer àqueles dois políticos.
As afirmações de Sócrates, congratulando-se com o desfecho do processo Freeport onde apareceu como suspeito de crimes de corrupção e tráfico de influências, dizendo ainda que a verdade acaba sempre por vir ao de cima e de que foi vítima de uma “enormidade de calúnias” (Fonte “Euro News” de 28/07/2010) não deixa de ser uma verdadeira “Conversa da Treta”, com o devido respeito por Tony e Zézé.

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